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José da Silva Loyo
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Filho de remediados e honestos lavradores da Beira, José da Silva Loyo nasceu em Portugal, na vila de Armamar, a 1 de Outubro de 1819, e aos 15 anos, tendo-o seu pai, Manuel da Silva Loyo, destinado à vida eclesiástica, estudava ele latim na sua terra natal. Nascido, porém, numa época em que as ideias de liberdade começavam a despontar em Portugal, como a aurora radiante de uma era nova, e vendo-as mais tarde afirmarem-se definitivamente depois dessa luta heróica, em que desapareceu o violento e degradante sistema do absolutismo para dar lugar a uma nova organização social, compreendeu que novas classes que até ali votadas a um ostracismo desumano, e agora redimidas, eram chamadas a intervir na moderna sociedade e a ocupar nela os primeiros lugares, buscando no trabalho o futuro. Foi assim que José da Silva Loyo, fortemente impressionado, abandonando a carreira a que o destinavam, e obtida a licença paterna, resolveu dirigir-se ao Brasil a tentar fortuna; e com este fim embarcou em 1836 no Porto, a bordo do navio português Senhora da Boa viagem, com destino a Pernambuco, munido simplesmente de muitos planos, muitas ilusões e muitas saudades do ar puríssimo, que respirara nas montanhas da terra onde nasceu. A sorte, que mais tarde tanto havia de favorece-lo, quis mostrar-se-lhe adversa logo no princípio da sua nova vida. O navio em que tinha embarcado no Porto naufragou nas alturas de Cabo Verde, e tendo a muito custo podido salvar-se e aportar à ilha da Boa Vista, Silva Loyo encontrou-se a meio caminho do Brasil sem recursos alguns e quase sem esperanças de alcançar a terra prometida. Passados, porém, alguns dias, pode obter passagem a bordo de outro navio que, carregado de infelizes, sujeitos a um tráfico infame, se dirigia ao Maranhão. Esta província atravessava então uma das crises mais terríveis, sustentando a guerra dos balaios que, vindos do centro e incendiando e destruindo as vilas do interior, se propunham a atacar a capital. Organizara-se um batalhão de portugueses para, com a tropa nacional, resistir ao gentio, e José da Silva Loyo, que se sentia cheio de energia e boa vontade para por meio do trabalho encontrar no comércio o seu futuro, foi obrigado, logo que chegou, a assentar praça. Vendo, porém, que não podia ali exercer livremente a sua poderosa actividade, resolveu, logo que pôde, sair para Pernambuco, ponto para onde primeiramente se dirigia, e onde efectivamente chegou em 1839. Aqui pôde dedicar-se livremente à carreira comercial, e, entrando como empregado numa casa comercial, a sua inteligência, o seu trabalho, escrupuloso cuidado e economia, tornaram tão distinto o seu nome entre os seus colegas, que dentro de pouco tempo conseguiu assegurar o seu futuro, estabelecendo-se sob auspícios felizes como armazenado de açúcar, ramo principal do seu negócio ainda hoje. A probidade, a inteireza de carácter e a severa observância dos seus deveres comerciais, reunidos aos dotes especiais e excelente aptidão para a profissão que adoptara, cercaram o seu nome do prestígio e respeito, que tais qualidades impõem, e constituíram a sua casa comercial numa das mais bem reputadas e de mais sólidos créditos na praça de Pernambuco. São inúmeros e verdadeiramente excepcionais os seus actos de filantropia, e os benefícios que, depois de haver pelo seu trabalho perseverante e honesto adquirido alguma fortuna, tem promovido em favor da colónia portuguesa e dos seus compatriotas infelizes. Na fundação de todas as instituições portuguesas e nos trabalhos de todas as comissões de beneficência existentes em Pernambuco há 40 anos, Silva Loyo tem tomado parte importantíssima, distinguindo-se sempre pela sua iniciativa inteligente e pela sua bizarria. Instalador e posteriormente provedor em diversas épocas do Hospital Português de Beneficência, do Montepio Português, do Gabinete Português de Leitura, de que actualmente é director, da Associação Comercial de Beneficência, da qual tem sido presidente, tem prestado a todas estas associações não só o valioso concurso de auxílios pecuniários, mas também os mais relevantes serviços pela sua actividade e pelo seu admirável senso administrativo. Não há subscrição patriótica de que ele não tenha sido um dos principais propugnadores e que não corte o seu nome em primeiro lugar. Em Dezembro de 1857 fez parte da comissão de aquisição de donativos para as vítimas da febre-amarela em Lisboa; em Fevereiro de 1864 da comissão promotora de socorros aos indigentes de Cabo Verde; e em 1876 presidiu aos trabalhos da comissão central de socorros às vítimas das inundações de Portugal. Tem concorrido poderosamente para as subscrições em favor do Asilo de Mendicidade Maria Pia, Comissão do Monumento 1. ° de Dezembro de 1640, Associação das Creches e Sociedade dos Albergues Nocturnos de Lisboa. Durante o flagelo das secas nas províncias do norte do Brasil agasalhou e socorreu os desgraçados, que das paragens desoladas dos sertões vinham em demanda do litoral buscando os recursos da vida, que lhes escasseavam nas regiões onde dominava a calamidade. Nas antigas lutas entre brasileiros e portugueses, que só a ignorância e má fé podiam alimentar, o nome e influência de Silva Loyo muitas vezes contribuiu para fazer terminar o conflito. E, como parêntesis, digamos também aqui que hoje, graças á civilização, essas lutas desapareceram completamente, compreendendo-se enfim que quem abandona a terra onde nasceu para vir para um país estranho exercer a sua actividade, longe de prejudicá-lo, contribui para a sociedade a quem proporciona vantagens, que ela só não podia alcançar, e a quem presta um imenso benefício com o seu talento e o seu dinheiro, pondo em circulação um capital novo, e que, consequentemente, se ganha, é muito justo que logre o prémio do seu trabalho. Estabelecendo-se nesse país necessariamente se liga a ele e, ao cabo de alguns anos, nem é estrangeiro já porque os seus mais caros interesses e a sua família o ligam ao novo país que adoptou, e porque se afeiçoou ao solo, onde fez a sua fortuna e ao povo onde escolheu a mulher que o acompanha nos seus destinos. Contribui para o aumento de população com a sua nova família; os seus filhos são nacionais, como o serão seus netos; e invertendo e fazendo produzir o seu capital, deixa outro capital de talento, que vale pelo menos tanto como o de dinheiro. Por isso todos os governos sábios e prudentes têm trabalhado sempre para atrair a si os estrangeiros. À sua grande hospitalidade deve a França o seu elevadíssimo grau de esplendor; aos estrangeiros de todo o mundo, que chamou a Rússia, deveu ela o ser uma nação de primeira ordem em muito menos tempo, que muitas têm gasto em ser as últimas; e, finalmente, aos estrangeiros devem os Estados Unidos a sua grandeza e prodigiosa prosperidade. Felizmente, o Brasil está convencido destas importantes ideias, e hoje, entre brasileiros e portugueses, há a cordialidade que não pode deixar de existir. O Visconde da Silva Loyo tem a genealogia dos homens plebeus, e por isso se julga na obrigação de nunca abandonar o trabalho a que tudo deve. Contando hoje 62 anos e senhor duma avultada fortuna, o movimento é ainda a sua vida, e só no labor quotidiano e na prática do bem que o seu génio caritativo lhe dita, encontra satisfação o seu espírito recto e sereno. É um coração abençoado pelos pobres, e não só passa um dia, que a sua alma esmoler não preste algum serviço ao infortúnio e à miséria. A numerosas famílias portuguesas, que no Brasil se vêem perseguidas pela adversidade, tem ele socorrido e por último paga a passagem para a sua terra. Naturalmente afeiçoado a todos que honestamente se dedicam ao trabalho, nenhum compatriota seu menos feliz recorre ao seu auxílio pecuniário ou à sua influência comercial, que não encontre o seu espírito generoso a auxiliá-lo bizarramente. Tendo casado em 7 de Maio de 1843 com a Sra. D. Maria da Moita Leal, que lhe trouxe como preciosíssimo dote a sua alma pura e o seu coração amigo e bom, Silva Loyo encontra na doce tranquilidade do lar doméstico, todo paz e amor, o descanso da sua vida laboriosa e os extremos afectos da família, de que ele é o enlevo e chefe exemplaríssimo. A franqueza e lealdade pelos seus amigos, a modéstia, afabilidade, e uma adorável singeleza de costumes são os traços característicos da sua individualidade. De todas as sociedades a que tem pertencido, tem recebido os diplomas mais honrosos e espontâneos, e o governo do Brasil agraciou-o com a comenda da ordem da Rosa, pelos seus serviços a diversas associações de caridade e beneficência brasileiras. O governo português, depois de o haver agraciado com as comendas de Cristo e Conceição, tendo em conta o seu merecimento pessoal, os seus relevantes serviços à colónia portuguesa e à pátria, de que Silva Loyo nunca se esquece, agraciou-o ultimamente com o título de visconde. De um desprendimento verdadeiramente exemplar, encontrando o prémio do bem que pratica simplesmente na satisfação da própria consciência, e detestando todas as ostentações, o Visconde da Silva Loyo jamais solicitou qualquer dos títulos de que goza, e que constituem a maior gloria a que pode aspirar um homem público. No seu brasão não se encontra a menor sombra, e é limpo e isento de toda a mancha. Nós, a quem não movem sórdidos interesses nem adulações de qualquer espécie, e que só dizemos o que a nossa consciência nos dita e o nosso espírito nos sugere, prestamos a nossa homenagem ao Visconde da Silva Loyo como um cidadão benemérito, que pela nobreza dos seus sentimentos, pelos seus serviços, e pelo seu trabalho perseverante e honesto, tanto se soube elevar. E rendendo culto a quem a ele tem direito, cumprimos o nosso dever. Vicente Nunes Tavares in Galeria Photographica-Biographica Luzo-Brazileira Julho de 1883.