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José Duarte Rodrigues
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Nas folhas ilustradas, de uma forma de publicação semelhante à do Comércio e Indústria, a apresentação do retrato na primeira página, é um poderosíssimo auxiliar na missão, por vezes difícil, do biógrafo. A expressão fisionómica, o olhar, o modo, dão muitas vezes ao leitor a maneira de recompor aproximadamente o carácter e feições morais do retratado, e assim na maior parte dos casos, a biografia não vai mais do que confirmar essa impressão recebida. Em frente do retrato da simpática individualidade, que hoje vem honrar a galeria do Comércio e Indústria, confirma-se plenamente este asserto. Nas linhas vigorosas daquele rosto, no olhar límpido e insinuante, vê-se imediatamente um homem inteligente, duma vontade pertinaz e segura, uma alma aberta a todos os sentimentos generosos, um carácter simpático e bondoso. E assim é José Duarte Rodrigues; e para que melhor o conheçam, para que mais perfeitamente avaliem a nobreza dos seus sentimentos, a distinção das suas qualidades, prendas que ele recata nessa louvável modéstia, que é o pudor das boas almas, cedamos-lhe a ele próprio o lugar, publicando a carta, em que respondeu ao pedido de apontamentos para a biografia, que lhe dirigiu o proprietário desta folha. Meu caro Almeida Pinto Acabo de receber a tua carta de hoje, em que instas novamente pelos meus apontamentos biográficos, que insistes em publicar no teu jornal. Tornar a dizer-te não, era a única resposta razoável, porque eu, meu caro, ainda não tenho na minha vida factos nem serviços, que mereçam sair da obscuridade, em que ela se tem passado. Mas tu instas de maneira a eu não poder fazê-lo! Que dizer pois? Donde vim, para onde vou, o que faço? Eis tudo o que posso fazer e que procurarei dizer-te em duas palavras: Vim de Portugal, onde nasci aos quatro dias do mês de Junho de 1848. Sou natural da Vila de Ponte de Lima, arcebispado de Braga, mas baptizado na freguesia da Sé da cidade de Lamego. Filho legítimo do capitão João Manuel Rodrigues e D. Maria Alves Vicente Rodrigues, tive a infelicidade de perder aquele aos 4 anos de idade. Meu pai foi um bom servidor da pátria, como o atestam os postos, condecorações e distinções que mereceu, falecendo, ainda em serviço dela a 27 de Março de 1852, no posto de capitão graduado, no regimento de infantaria 9. Era condecorado com a Torre e Espada. Minha pobre mãe, que felizmente ainda existe, seria talvez obrigada a mendigar o pão de cada dia ou a morrer de fome, se o filho, desde a mais tenra idade, dividindo com ela o pequeno produto do seu trabalho, não ocorresse às suas mais vitais necessidades da vida. É o meu maior padrão de glória. Ela, coitada, que fez toda a sorte de sacrifícios para educar os dois filhos com que ficou eu e um irmão nunca recebeu o mais pequeno auxílio dos cofres públicos e está tendo hoje uma velhice, não opulenta, mas farta e tranquila, que eu lhe ofereço com o produto do meu trabalho. Vim para o Brasil aos 11 anos de idade, isto é em 1859. Aqui dediquei-me à vida comercial, em que persisto e na qual uma única ambição me preocupa a de gozar da estima e consideração públicas. Em 1877, pude realizar o maior desejo que há muito nutria ir ver a minha mãe. Regressei ao Brasil em fins de 1878, conservei-me no Rio de Janeiro, onde era estabelecido, até 1880, no correr do qual vim para S. Paulo. Ali ocupei o cargo de 1. ° Secretário do Liceu Literário Português, uma das associações que mais honra os portugueses no Brasil, e aqui ocupo o cargo de vice-cônsul de Portugal, não porque a minha posição e competência me indicassem para ele, mas devido à benevolência e simpatia de alguns amigos. Eis tudo o que posso dizer, meu caro. Se achares que é pouco, como me parece, cede o lugar a outro e não te ocupes com a insignificância do teu amigo afectuoso. S. Paulo 17 de Novembro de 1882. Teu amigo afectuoso José Duarte Rodrigues. Aqui ficam descritas nesta carta, ao mesmo tempo tão simples e tão eloquente, alguns dos traços principais da imaculada carreira comercial de José Duarte Rodrigues, e ao mesmo tempo os nobilíssimos predicados do seu carácter. Sentimos que a falta de indicações circunstanciadas nos iniba de publicar aqui o muito, que a sua modéstia ocultou, actos honradíssimos da sua vida comercial e pública, que lhe granjearam profundas simpatias. José Duarte Rodrigues deve quanto possui e quanto vale, ao seu trabalho, à sua inteligência, à sua perseverança. Por mais difíceis e trabalhosos, que lhe fossem alguns dos períodos do seu tirocínio comercial, nunca arredou um passo do caminho da honra, e cremos que essa convicção é para a consciência daquele trabalhador indefeso e austero a maior e mais abençoada riqueza. José Duarte Rodrigues é um dos nomes mais considerados e benquistos da estimável colónia portuguesa de S. Paulo, e disso é testemunho irrefutável o cargo oficial, que exerce com muito acerto e distinção. Nós, que apenas o conhecemos por tradição honradíssima, aceitamos com o maior prazer o agradável encargo de apresentar aos leitores desta folha esse nome, por tantos títulos estimável e simpático. Salvador Marques in Galeria Photographica-Biographica Luzo-Brazileira Lisboa, 1884.