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António Pereira de Souza Caldas
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O insigne poeta António Pereira de Souza Caldas, que opulentou a língua portuguesa com uma das melhores traduções em verso dos Psalmos, que nos modernos idiomas se conhecem, nasceu no Rio de Janeiro a 24 de Novembro de 1762. Era filho de Luís Pereira de Souza, negociante e de sua esposa, D. Ana Maria de Souza. De idade de 8 anos atravessou os mares para vir a Lisboa estudar os preparatórios com que se habituou a ir para a universidade de Coimbra. Quando chegou aos 16 formou-se em jurisprudência. Na universidade de Coimbra deu mostras de elevado engenho poético, não desse agudo talento de dísticos e madrigais, em que se comprazia a frivolidade da juventude do séc, XVIII, mas de um engenho mais viril, que chamou contra ele a atenção do governo de D. Maria I, e lhe valeu seis meses de reclusão no recolhimento dos padres catequistas de Rilhafolles, acusado de patentear nos seus versos ideias mais isentas do que as permitidas a um súbdito da monarquia absoluta. Concluindo depois dessas interrupções, os seus estudos universitários, aplicou-se à advocacia, requerendo a nomeação de juiz de fora para uma das comarcas brasileiras; foi viajar na Europa; visitou a França, a Itália, viveu na intimidade do Papa Pio VI, e, aí em Roma, seduzida a sua forte imaginação pela sublimidade do catolicismo, trocou pela sotaina de padre a toga de advogado. Regressando a Portugal, entregou-se à eloquência sagrada, e adquiriu alta reputação. Voltou ao Rio de Janeiro em 1801, encontrou a sua formosa pátria retalhada pela discórdia civil e gemendo debaixo da pressão dos governadores. Entristecido por isto, voltou a Portugal em 1805, e de novo voltou ao Brasil em 1807 com a família real portuguesa que fugia das águias vitoriosas de Junot. No Rio de Janeiro faleceu a 2 de Março de 1814, de idade de 52 anos. Poeta viril e de alto pensamento, rara qualidade no séc. XVIII, Sousa Caldas, se a outros cede a realeza da forma, não encontra vencedores na grandeza vigorosa da ideia. Muitas das suas composições poéticas se perderam, mas as que nos restam bastam para revelar um talento de primeira ordem. O sopro austero que anima a sua tradução dos Psalmos e que a torna tão superior à brilhante, gabada, mas frequentes vezes oca, frouxa e lânguida, de João Baptista Rousseau, também circula nas suas ordens religiosas, e as torna dignas de se elevar, envoltas nas harmonias do órgão, e nas fragrâncias do incenso, ao trono de Jeová. Nas cantatas, tais como Pigmalião, o padre Caldas se não tem o esplendor da forma de Garção e o arrojo lírico de Bocage, distingue-se pela elevação de pensamento, que até nesses jogos de estilo apresenta sempre uma intenção filosófica não prejudicando a correcção da frase e a transparência do colorido. Nada nos resta das suas prédicas; mas pelo molde do seu talento, facilmente adivinhamos que no púlpito a sua voz eloquente havia de agitar os corações, e a gravidade do pensamento abalar os espíritos, e transportá-los a regiões sublimes.