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Henrique da Costa Correia Leite
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Henrique da Costa Correia Leite Henrique da Costa Correia Leite nasceu na cidade do Porto aos 18 de Agosto de 1825 sendo filho legítimo do acreditado negociante daquela praça o Sr. Joaquim da Costa Leite e de sua esposa D. Maria Mathilde Correia Leite. Seu pai era armador e possuía vários navios que faziam transporte de emigrantes para o Brasil. Esta circunstância tinha de influir poderosamente na vida e no futuro do filho, que acostumado de criança a ouvir falar nas maravilhosas compensações que tinha o trabalho naquelas opulentas regiões, não tardou a acariciar a ideia de se ir também, mar fora, em busca de trabalho e de fortuna. Eu sei bem, na minha qualidade de insulano, o prestígio que a fortuna dos compatriotas, que voluntariamente se expatriaram e lograram alcançar vantajosa posição, tem no espírito dos moços trabalhadores dessas boas terras portuguesas, que, especialmente desde os fins do século passado, tem dado ao Brasil os seus braços mais vigorosos e mais úteis. É uma fascinação estranha. Disse algures um ilustre escritor que o Brasil era um mar de lágrimas onde se colhiam algumas pérolas ou então um cemitério com uma lotaria. Assim é um pouco, talvez, mas o que é certo é que os que morrem são breve esquecidos e dos que regressam pobres e miseráveis ninguém fala. Morreram porque tinham de morrer, diz o povo na sua rude filosofia. Um dia isto foi já há muitos anos fui ver o embarque de passageiros para o Brasil. Uma grande barca, já muito conhecida nos portos dos Açores e do Brasil, pela rapidez das suas viagens e pelas comodidades que oferecia aos emigrantes, pois o seu proprietário recebia o preço das passagens em prestações pagas no Rio de Janeiro, a Nova Rival ia sair com 200 passageiros. Ninguém imagina o que há de doloroso nestes embarques em terras pequenas. Os cais apinham-se de povo das diversas freguesias que vêm acompanhar os parentes, os amigos e os vizinhos. Crianças muito pequeninas sem saber para onde vão, abraçadas aos pais num grande choro, rapazes robustos, vigorosos, com forte musculatura, que dá o trabalho nos campos, ali dominados pela força de uma separação que poderá ser eterna, raparigas esbeltas deixando a família, seduzidas por uma miragem sedutora, que quase sempre oculta o prostíbulo, toda esta gente, que parte, numa enorme ambição de riqueza, assemelha-se a uma leva de condenados, que vão à mercê da sorte, que para a maioria terá a terrível desilusão da miséria ou a triste realidade da morte. Quando chega a hora da despedida há gritos dilacerantes dos que partem e dos que ficam e estes gritos, tão de alma, prolongam-se dolorosamente até que os barcos, que conduzem os emigrantes, chegam aos navios. No meio, porém, deste desalento que domina os emigrantes ao partir, aparecem alguns rapazes, que fascinados completamente pela felicidade e pela riqueza que sonharam, conservam o ânimo sereno e têm a força de vontade precisa para ocultar as lágrimas e para aconselhar a família que não os pranteiem. Foi nesta ocasião que eu vi um belo rapaz abraçado ao avô, um velho septuagenário, um desses heróis, quase legendários, das campanhas da liberdade, dizer-lhe que não chorasse, porque tanto se morria lá como cá. Nisto o velho, fitando-o amoravelmente, retorquiu-lhe: _ Olha, João, vê se as freiras acolá do convento morrem afogadas no mar! Este são juízo dos velhos não serve, porém, aos novos, atrai-os ao Brasil, o brasileiro que voltou rico, que comprou as terras do morgado, que dá dinheiro a juro, que faz uma festa ruidosa, com grandes esmolas aos pobres e lautos jantares aos ricos, desperta-lhes a ambição e não descansam sem ir também para o Brasil. O receio do recrutamento faz ainda arreigar ainda mais estes desejos de absentismo e nada há que opor-lhes. Ainda há vinte anos a emigração clandestina mais favorecia esta tendência pela dispensa de quaisquer praxes legais. Depois a disciplina legal pôs-lhe limites se não insuperáveis pelo menos um pouco difíceis de transpor. Henrique da Costa Correia Leite foi inegavelmente um destes fascinados pela bela miragem da riqueza do Brasil. No escritório do pai devia ouvir muitas vezes as boas novas dos que tinham conseguido fortuna, teria mesmo ocasião de ver regressar alguns dos seus compatriotas muito ricos e muito felizes e de ouvir contar ao pai como lhes haviam partido pequenos pobres e como a sorte os havia favorecido. Aos 11 anos Henrique mostrou desejos de ir para o Brasil e o pai não se opôs a esta resolução. Os homens de trabalho são assim. Querem que os filhos granjeiem fortuna como eles trabalhando. Santa e boa escola esta! Foi em 1836 que Henrique partiu para o Rio de Janeiro, na barca Tentadora propriedade de seu pai, que o recomendou muito naturalmente aos seus correspondentes. Não foi difícil ao moço emigrante obter colocação na capital brasileira, revelando novo, forte energia e pouco vulgar aptidão trabalhadora. Acostumado novo ao trabalho, lutando com dificuldades, sofrendo provações, entregue à sua própria vontade de se fazer homem, Henrique adquiriu nesta rude escola a austeridade que é um dos traços mais acentuados do seu carácter honesto e digno. Entregue ao comércio, Henrique da Costa Correia Leite percorreu diversas províncias do Brasil, demorando-se especialmente em S. Paulo, Campos, Bahia e Pernambuco. Em 1850, já com um nome considerado e respeitado, voltou a Portugal e em 1851 partiu para a África com um importante carregamento de vinhos e outros géneros nacionais. Visitou as principais das nossas possessões ultramarinas, onde se demorou durante três anos, seguindo depois para Cape Town, onde residiu um ano, continuando sempre o negócio por sua conta. Daqui partiu para os Estados Unidos visitando os grandiosos e opulentos empórios comerciais de Nova Iorque e de Filadélfia. Em 1855 estava de volta a Portugal e no remanso da sua casa do Porto descansou das longas fadigas até 1857, em que partiu novamente para o Rio de Janeiro. Partindo aos 11 anos para o Brasil compreende-se que Henrique da Costa Correia Leite mal sabia ler, escrever e contar. Chegado ao Rio de Janeiro e encetando a sua vida comercial o moço português sentiu a necessidade de alargar um pouco mais o horizonte dos seus pobres recursos de saber e procurou, por um estudo dedicado, a que consagrava as minguas horas de ócio, formar o seu espírito, consoante, quanto possível, as exigências da sua profissão e das suas aspirações. Todos conhecem os relevantes serviços, que aos moços portugueses tem prestado, no Rio de Janeiro, como nas diversas cidades do império, as associações, que mantendo escolas e bibliotecas lhes facilitam os meios de se ilustrarem. Libertado, por esta forma, das dificuldades, que necessariamente deviam resultar da escassa educação literária, que levara de Portugal, Henrique da Costa Correia Leite completou nas suas viagens os estudos a que se consagrara no Rio de Janeiro. Foi vivendo e aprendendo, interessando-se pelas questões, que iam sucessivamente entrando no domínio da discussão pública, acostumando-se a conhecer dos homens e das coisas e a formar sobre os factos a sua opinião conscienciosa e justa. Patriota, como o são geralmente esses briosos portugueses do Brasil, Henrique da Costa Correia Leite não perdia ensejo de mostrar o seu amor por esta terra tão amada da sua pátria. Regressando ao Rio de Janeiro em 1857, renovou toda a sua actividade comercial percorrendo outra vez algumas das mais importantes províncias do império, até que em 1865 fixou a sua residência em Buenos Aires, fundando ali um importante depósito de vinhos portugueses. Não era este o primeiro serviço prestado por Henrique da Costa Correia Leite ao comércio do seu país. Mais de uma vez se tem encarecido na imprensa portuguesa a necessidade, imediata e urgente, de fundar nos diversos mercados da América depósitos de vinho, que tornem conhecidas as nossas melhores marcas e sejam ao mesmo tempo obstáculo às falsificações e adulterações que tanto nos têm prejudicado. Correia Leite compreendeu esta necessidade e conseguiu fazer acreditar naqueles mercados os nossos excelentes vinhos. Em 1867 a cólera invade Buenos Aires e faz inúmeras vitimas. Constituem-se comissões de socorros e o nosso brioso compatriota faz parte de uma delas. Homem de coração dedicou-se generosamente ao cumprimento dos deveres de humanidade para com os infelizes atacados da epidemia. Um dos seus primeiros actos foi oferecer aos médicos e aos hospitais todo o vinho do Porto preciso para os pobres e promover festas de caridade em benefício dos que sofriam. Foi nesta ocasião que se fundou a notável academia de musical de Buenos Aires, que consagrou os seus primeiros concertos a tão piedoso fim. O governo de Buenos Aires prestou toda a homenagem aos serviços generosos do benemérito português. Reconhecendo que os vinhos portugueses eram pouco favorecidos pelas pautas aduaneiras do Rio Prata, Correia Leite procurou, com o auxílio dos representantes de Portugal, obter para eles os maiores favorecimentos. Desajudado completamente do auxílio oficial, não desanimou e depois de amigáveis solicitações conseguiu que o governo modificasse as pautas no sentido que desejava a bem dos interesses comerciais do seu país. Foi nesta ocasião que o governo de Portugal, por uma excepção honrosa feita à sua habitual prodigalidade, o distinguiu com a comenda da Ordem de Cristo em atenção aos relevantes serviços prestados ao país na introdução dos vinhos portugueses no Rio da Prata. Dirigindo-se ao Rio de Janeiro, demorou-se ali até 1869, em que seguiu para Lisboa. Aqui fundou a fábrica de estores Cantua, indústria que muito prosperou devido à sua prodigiosa actividade e cujas glórias de nacionalização lhe pertencem. Não eram então muito conhecidas em Portugal as máquinas de costura e Correia Leite fundou em Lisboa e Porto depósitos desta especialidade, conseguindo em quatro anos introduzir no país mais de cinco mil máquinas. Correia Leite prestou assim um bom serviço ao país, porque criou mais trabalho para muita gente, que mal podia viver da agulha, que sendo um auxiliar muito menos produtivo do que as máquinas, mal compensava as longas horas dedicadas à confecção de qualquer obra. Hoje uma máquina de costura sustenta uma família laboriosa e inteligente. Então as canseiras dos serões, as noites mal dormidas, a sustentação muito limitada pela exiguidade dos salários, matavam impiedosamente, na flor dos anos, as pobres costureiras, que necessitavam trabalhar muitas vezes dezoito ou vinte horas para concluir uma obra, que hoje, graças à máquina, podem fazer em seis horas! Desejando introduzir em Portugal alguns dos melhoramentos, que, em grande êxito, vira iniciados em Paris, Correia Leite enviou à Companhia Carris de Ferro do Porto a primeira máquina de tracção a vapor, sistema Brown, para substituir a tracção animal nos transways. As experiências em Lisboa e Porto deram os melhores resultados, em Paris está adoptado o sistema em dezenas de carros na linha do Arco do Triunfo a Courbevoie, em Portugal, porém, mau fado o nosso, a máquina Brown foi posta de parte e esquecida. A nossa inacção proverbial tem-nos levado a esses resultados. Somos o povo da Europa que tem mais apego às velharias e que tem mais horror às inovações. Henrique da Costa Correia Leite vive desde 1875 em Paris, onde o levou a doença de sua esposa. Ali o brioso cidadão tem sempre continuado a prestar os mais desinteressados serviços ao seu país. Não há ninguém entre os portugueses que tenham visitado os portugueses que tenham visitado Paris nos últimos anos, que se não lembre, com reconhecimento e com saudade, da franca e generosa hospitalidade, que encontrou na confortável residência de Correia Leite na rua Condorcet. Em quanto a legação portuguesa, toda embevecida nas suas vaidades, se exime sistematicamente aos mais simples deveres da cortesia e amabilidade para com os portugueses que solicitam os seus favores, Correia Leite, por si só, isoladamente, tem prestado e presta a todos quantos dele se aproximam todas as atenções e favores de uma boa e fraterna acolhida. Em 1878, ao cabo de oito anos todos consagrados à sua reorganização política e social, a França, cicatrizadas as feridas profundas da dolorosa guerra de 1870, quis provar, à Europa e ao mundo, qual a força da sua actividade e quais os recursos de que podia dispor para dominar ainda como senhora entre as grandes potencias comerciais. A exposição de Paris de 1878 foi a plena consagração deste grande facto a França que pagara à Alemanha cinco mil milhões de indemnização de guerra estava rica e próspera, a Alemanha, que recebera aquela soma enorme, fora as elevadas somas, que exigira como tributo de guerra nas cidades e aldeias taladas pelos seus soldados, a Alemanha que recebera estava pobre! A exposição de Paris tinha pois todo o cunho de uma possante afirmação de vida e depois dos grandiosos certames industriais de Viena e de Filadélfia devia ser e foi-o uma exposição monumental. O nosso país concorreu à exposição e foi encarregado de dirigir todos os trabalhos da secção portuguesa, o esclarecido académico, sábio professor e eminente cidadão, o Sr. Visconde de Villa Maior, reitor da Universidade de Coimbra. Este ilustre cavalheiro, chegado a Paris teve de nomear uma comissão que lhe auxiliasse os trabalhos e escolheu de entre os mais prestimosos membros da colónia portuguesa. Essa comissão compunha-se do marquês de Penafiel, barão de Wildick, capitão Paiva dAndrade, Duarte Silva, Camilo de Moraes, Sarrea Prado, Almeida Santos e Correia Leite. Esta comissão prestou efectivamente os mais assinalados serviços, como o consigna no seu relatório o ilustre comissário português, mas Henrique da Costa Correia Leite, mereceu ao Sr. Visconde de Villa Maior especial e honrosa menção, dizendo: _ Foi incansável e permanente no trabalho de organização prodigalizando os seus esforços com inteligente actividade e continuando os seus úteis serviços ao comissariado até ao último dia que nos demorámos em Paris. Além destes serviços, Correia Leite fez parte dos júris das diversas classes que tiveram de julgar a secção portuguesa. Na exposição de Paris, para 2131 expositores, obtivemos 750 recompensas, das quais 2 diplomas de honra, 43 medalhas de ouro, 112 de prata, 260 de bronze e 326 menções honrosas! Durante a exposição Henrique Leite, sob o pseudónimo de Etiel, dirigiu à Correspondência Geral Portuguesa uma interessante série de artigos acerca daquela grande festa industrial e foi devida à sua solicitude a primeira publicação sobre as recompensas ali obtidas pelos expositores portugueses. Sem pretensões a estilista, sem frase cuidada, sem efeitos de retórica, Correia Leite revelou nestas cartas belas aptidões como observador, sabendo transmitir fielmente os factos, criticando-os com rara habilidade, tirando deles todo o conselho e lição para o futuro. Estas cartas foram de um grande e palpitante interesse para Portugal e tiveram uma grande aceitação pública. Chegou a ocasião de falar num dos grandes casos, que por vezes tem indignado a crítica de alguns compatriotas de Henrique da Costa Correia Leite o pertencer à Associação Literária Internacional. Correia Leite não é, nem deseja ser, um literato, não publicou ainda livro algum, nem de sua lavra, nem mesmo subtraído menos prudentemente a qualquer escritor francês, a Paul Deplessis, por exemplo, como algumas das nossas celebridades mais preconizadas, mas o seu lugar na Associação Literária está perfeitamente justificado pelo interesse que sempre tomou pelo desenvolvimento literário do seu país e pelo empenho que tem mostrado em garantir aos escritores portugueses os direitos da propriedade literária no Brasil. E quando não tivesse justificado, o facto de ter sido sob sua proposta e a instâncias suas que se realizou em Lisboa o congresso literário de 1880 bastaria para lhe dar direito ao nosso reconhecimento e à distinção com que o honrou o congresso de Lisboa nomeando-o membro permanente da comissão executiva da associação, isto é, seu membro honorário. Henrique da Costa Correia Leite é sócio correspondente da sociedade de geometria de Lisboa, da de geografia comercial do Porto, da associação de jornalistas e de escritores portugueses, sócio honorário da Associação dos Artistas de Coimbra, sócio efectivo da Alliance Latine, de Paris, de que foi presidente, sócio honorário da sociedade Nova Euterpe do Porto, tem as comendas de Cristo de Portugal e de Isabel a Católica de Espanha (de número), e recebeu do governo francês a grande medalha de honra comemorativa da Exposição de 1878. Pertence, além disso a algumas outras associações nacionais e estrangeiras. Henrique da Costa Correia Leite tem uma única filha, que estremece com todo o entusiasmo e com todo o amor do seu coração de pai. Mademoiselle Ernestina Leite é uma formosa e adorável criança, cuja inteligência e educação esmeradíssima tornam distinta na alta sociedade elegante de Paris. Pianista exímia, compositora de talento, mademoiselle Ernestina Leite, tem concorrido generosamente para muitos dos concertos de beneficência ultimamente realizados em Paris. As suas composições, muitas de um grande cunho clássico, são sempre ouvidas com aplauso. Muito instruída, mademoiselle Ernestina Leite realiza o ideal da mulher moderna nas virtudes que a nobilitam e na sua ilustração que a distingue. Aqui fica a biografia de Henrique da Costa Correia Leite. Poucos a poderão ter mais honrosa entre os homens que se têm engrandecido pelo trabalho. Correia Leite não julga ainda completa a sua obra. Neste momento está em Lisboa procurando obviar as dificuldades, que por ventura possam surgir, para a realização de um importante melhoramento nesta capital. A sua actividade e o seu patriotismo mais uma vez lograrão triunfar. Com os desejos de pleno êxito para os seus patrióticos intuitos, fica concluída esta singela homenagem a Correia Leite, homenagem, que foi inspirada por um grande sentimento de justiça e de verdade. Augusto Ribeiro in Galeria Photographica-Biographica Luzo-Brazileira Lisboa, Maio de 1882.