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Cláudio Manuel da Costa
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Singular destino ligou dois dos mais notáveis poetas com que o Brasil enriqueceu a literatura portuguesa: Cláudio Manuel da Costa e Thomaz António Gonzaga. Ambos líricos de primeira ordem, ambos tendo no estilo uns leves toques de saudosa melancolia, no espírito uma elevação filosófica de pensamento que transparece nas composições que lhes são ditadas pelo coração, ambos adorando o esmero da forma e cuidando a melodia do verso, ambos sacrificando nos altares da musa frívola, uns com as suas anacreonticas, outro com as suas canções, ambos escrevendo um nome só na dedicatória dos seus numerosos poemas, Gonzaga o de Marília, Costa o de Nise, ambos seguindo a carreira das leis, ambos enfim implicados na prematura tentativa da revolução, que em 1789 quis fazer da capitania de Minas Gerais uma república, e chamar o Brasil à independência; só na morte se separaram, porque Gonzaga arrastou no exílio os últimos anos da vida fatigado e desalumiado da luz da inteligência, e Cláudio Manuel da Costa suicidou-se no cárcere, não se achando com ânimo de suportar os transes do processo, e talvez o martírio afrontoso. Nasceu Cláudio Manuel da Costa na cidade de Mariana na capitania de Minas Gerais, a 6 de Junho de 1729. Cursou os primeiros estudos no Rio de Janeiro, veio depois formar-se a Coimbra, e já na Universidade deu mostras de poético engenho, que não prejudicava a sua aptidão para as ciências políticas, sociais e jurídicas. Viajou em seguida pela Itália, onde mais se corroborou o seu entusiasmo pela formosa literatura italiana de que sempre se mostrou apaixonado seguidor. Voltando a Lisboa, aqui se demorou até 1765, em grata convivência com todos os cultores das boas letras. Motivos desconhecidos o fizeram deixar a metrópole, de que se apartou com saudade, indo exercer a advocacia para a sua província natal. Estudos importantes acerca de assuntos políticos e económicos, fizeram com que fosse considerada uma das altas capacidades do Brasil, e o capitão-general de Minas, D. Rodrigo da Cunha de Meneses, chamou-o para secretário do governo. Demitiu-se desse emprego quando as suas ideias estiveram em desacordo com as ordens do Rio de Janeiro. Homem de ideias largas, progressista rasgado, simpatizou com o movimento que em Minas Gerais se pretendia levar a efeito, tornou-se um dos principais chefes da projectada sublevação, e, quando a conjuração se descobriu, foi ele um dos presos. A ideia das terríveis consequências do seu procedimento perturbou-o de tal forma que respondeu de um modo incoerente às perguntas do tribunal, e, prevendo o suplício, preferiu ao patíbulo o suicídio, enforcando-se na prisão no dia 2 de Julho de 1789. Foi Cláudio Manuel da Costa, poeta mimoso e delicado, clássico em linguagem, ameníssimo em estilo e primoroso na forma. Os seus sonetos são talvez, depois do de Bocage, os mais perfeitos da língua portuguesa. Moldava-os pela forma de Petrarca, e sabia dar-lhes uma indizível suavidade melancólica. Vestia de galas encantadoras o pensamento suave e a comoção sincera. Se é um pouco alambicado nas canções, nem por isso podemos deixar de dizer, com o seu distinto biografo, o sr. Pereira da Silva, que é indubitavelmente um bom poeta. (Pinheiro Chagas, 1909)