Documento
D.António Filipe Camarão
Documento
Este célebre índio do Brasil, cujo verdadeiro nome era Poty, foi um dos heróis da lute que se travou para arrancar Pernambuco ao jugo holandês. Nasceu não se sabe se no Ceará se no Rio Grande do Norte. Sabe-se apenas que em 1614 já ele era chefe de Potyguares e Cristão. Tomara no baptismo o nome de António, a que juntou o de Camarão, que é a palavra poty traduzida em Português, e a estes dois nomes juntou depois o de Filipe, em reconhecimento das mercês que lhe fizera D. Filipe IV de Espanha. Sempre grande amigo dos portugueses, já viera a pé das suas florestas natais para acompanhar Jerónimo da Albuquerque ao Maranhão numa expedição contra os franceses, mas, chegando muito estropiado ao ponto de embarque, não pôde tomar parte na campanha. Em 1630, tendo sido tomado Pernambuco pelos holandeses, e tendo-se refugiado Matias de Albuquerque no campo entrincheirado a que chamam Arraial do Bom Jesus, António Camarão apresentou-se-lhe com os seus índios e foi um dos seus mais dedicados e intrépidos auxiliares como capitão de emboscadas, desde 1631 até 1635, mostrando-se verdadeiro flagelo dos holandeses. Em 1636 sucedeu a Matias de Albuquerque D. Luís de Rojas. Batido pelos holandeses em Mato Redondo, e ficando sem o seu general que morrera no campo de batalha foi a Camarão e ao capitão Rebelo que o exército pernambucano deveu não ser completamente destruído pelo inimigo. Nesse mesmo ano de 1636, o conde Bagnuolo, sucedendo no comando a D. Luís de Rojas, encarregou o Camarão de se internar com 360 homens, entre portugueses, índios e negros, pelo território que os holandeses senhoreavam para lhes fazer o mal que pudesse. Chegou Camarão até ao distrito de Goyanna, espalhou o terror entre os inimigos, a ponto de ter sido enviado contra ele um dos mais notáveis chefes holandeses, o general Artichoffsky, que foi contudo batido pelo intrépido e inteligente índio. Essa batalha, ganha em tão desfavoráveis condições por um pobre chefe ainda meio selvagem contra um hábil e experimentado general europeu, cobriu de gloria o heróico POty, e, quando este voltou a Porto Calvo, onde estava o conde Bagnuolo, com as suas tropas e um longo séquito de famílias portuguesas que tinham preferido emigrar a viver debaixo do domínio dos holandeses, e que o Camarão escoltara intrepidamente através do território inimigo, quando voltou a Porto Calvo teve uma verdadeira ovação. No dia 16 de Fevereiro de 1637, ele e a sua mulher Clara Camarão portaram-se heroicamente na pouco feliz batalha de Porto Calvo; em 1638 contribuiu eficazmente para a brilhante e venturosa defesa da Baía, sitiada por Maurício de Nassau, e foi então que Filipe IV de Espanha, para recompensar o glorioso chefe, lhe concedeu o título de Dom para ele e para sua mulher e o hábito de Cristo. Em 1640 a notícia da restauração de Portugal, a que o Brasil logo aderiu, veio estabelecer uma trégua entre portugueses e holandeses, que pareciam não dever guerrear-se, tendo ambos a Espanha como inimiga comum, mas essa trégua era, nem podia deixar de ser, pouco respeitada. Os holandeses não estavam dispostos a restituir a Portugal a colónia que tinham conquistado à Espanha, e os brasileiros também não estavam dispostos a abandonar Pernambuco. Portanto portugueses e holandeses, aliados na Europa, eram fatalmente inimigos na América. A trégua oficial não foi mantida, e Camarão à testa duma guerrilha continuou a hostilizar tanto quanto pôde. Em 1645 favoreceu o pronunciamento dos Pernambucanos, e fazendo a sua junção com Vieira e Vidal de Negreiros, distinguiu-se muito os diferentes combates dessa guerra, sustentada pelos Pernambucanos heroicamente sem auxílio oficial da Europa. No dia 19 de Abril, D. António Filipe Camarão comandava a ala direita do exército pernambucano na primeira batalha dos Gararapes. Nesse mesmo ano salteou-o uma febre violenta no Arraial Novo do Bom Jesus, e matou o intrépido índio que tão generoso e desinteressado aliado fora dos portugueses.